quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Braga - Novo Conto de João N. Dias no Correio do Minho

Xeque-Mate

O Jogador de xadrez, campeão do Mundo dez vezes consecutivas, estava aborrecido. Olhava para o tabuleiro, com desdém, enquanto que o adversário recorria a todas as forças humanamente expectáveis e, caso as tivesse, recorreria também às sobre-humanas, para resolver aquela jogada, que começava a ganhar contornos de um momento decisivo. Quando fez todos os cálculos, que para aqueles que não dominam o jogo são praticamente mágicos, o adversário percebeu que, para onde quer que se virasse, o xeque-mate estaria à espreita, em qualquer esquina do tabuleiro.

Não demorou muito tempo até que o jogo encontrasse o seu fim. O Jogador vencia, com relativa facilidade, aquele que se afigurava como o seu maior adversário do momento. As semanas foram passando e parecia cada vez mais improvável que aquele génio do xadrez perdesse uma partida. Foram feitos vários convites para que este defrontasse alguns computadores, programados para o vencer, mas declinou todas essas tentativas de enganar o xadrez, como o próprio as considerava.
             
Deixou de jogar. Passou a ocupar o seu tempo a ensinar, mas a falta de alunos que o cativassem levou a que esta nova etapa da sua carreira também não representasse nada de motivante. Acabou por abandonar, definitivamente, o xadrez. Guardou os livros sobre o jogo, que tinha acumulado, ao longo de alguns anos, na sua biblioteca, e passou o tempo a lutar contra a grande paixão da sua vida. Se, por um lado, gostava muito daquele jogo, a verdade é que a falta de um adversário à altura levou a que deixasse de se sentir motivado para vencer.
            
Um dia, um jovem bateu-lhe à porta, perguntando se ainda ensinava xadrez, mas ouviu a resposta que mais temia. O Jogador abandonara aquele jogo e não estava interessado em despertar uma paixão antiga que só lhe trazia tédio. A mudança de ideias surgiu quando o jovem jogador lhe transmitiu a sua inquietação, que tinha por base a necessidade de testar um movimento. A dúvida do jovem pareceu cativar, de forma quase imperceptível, o Jogador. Não que este se sentisse motivado para jogar, mas pela primeira vez, em muito tempo, equacionou pegar nas peças e no tabuleiro.
             
Sentaram-se a jogar. As horas foram passando e o entusiasmo do Jogador foi crescendo exponencialmente. Tinha encontrado um adversário. A verdadeira surpresa, a maior daquela tarde inesperada, foi quando o Jovem Jogador aplicou um xeque-mate ao Campeão do Mundo. O seu sentimento foi até de algum receio, pois temia que o reconhecido jogador não encarasse muito bem o facto de ter sido derrotado.
             
Aí surgiu a última surpresa. O Campeão sorria, com uma alegria pura, genuína. Ser derrotado era a maior alegria que o xadrez lhe tinha dado, em muitos anos. No dia seguinte, anunciou o seu regresso. Tinha perdido. Tinha um adversário. Tinha um motivo para jogar.

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